A brasileira Thalita do Valle, 39, aliada do exército ucraniano, morta em uma explosão na cidade de Kharkiv na tarde de quinta-feira, 30 de junho, era atriz, modelo, estudante de direito, ativista animal, socorrista e franco-atiradora.
O ataque russo também matou Douglas Búrigo, um ex-soldado do Exército Brasileiro de 40 anos. De acordo com relatos de combate, Douglas retornou ao bunker para resgatar Thalita, único membro remanescente da força após o primeiro bombardeio – Já foram mortos 3 brasileiros na guerra da Ucrânia, André Hack foi morto nos combates na madrugada de 5 de junho.
Thalita esteve em guerra contra o Estado Islâmico
Talita acumulou experiência em conflitos anteriores. Segundo seu canal no YouTube, ele foi socorrista e teve aulas de tiro no Brasil e participou de missões contra o ISIS no Iraque, Curdistão iraquiano e Curdistão sírio há três anos.
A experiência foi documentada em um livro de co-autoria de Talita com o autor, disse a família.
Lá, ela treinou para ser uma franco-atiradora e se juntou a um grupo chamado “peshmerga”, o termo curdo para combatentes do exército. Ela ainda gravou imagens em vídeo dos locais de conflito na região, nas quais a terminologia curda foi mencionada.
“Estávamos na estrada, na estrada, indo para o front”, descreveu em um vídeo gravado no Iraque em setembro de 2019, enquanto filmava a área da parte de trás do carro. Chegando lá, ele disse: “Pessoal, aqui é a linha de frente. É lá que a luta acontece.” Então, uniformes apareceram na área.
Ela recebeu treinamento e fez os cursos necessários para ir para a linha de frente. Mas, ao entrar no exército curdo, se especializou em tiros de precisão, com armas longas. A Thalita era do exército feminino e integrava uma linha de frente com atiradoras de elite. Era uma heroína, e a vocação dela era salvar vidas, correndo atrás de missões humanitárias.
Segundo Théo, a especialidade da irmã era atuar como socorrista. “A função primária é fazer o resgate. Mas também tem a função de fazer a proteção, dando cobertura para quem está avançando, como atiradora de precisão”, complementa.
Embora saiba que a irmã precisava usar armas no conflito, Théo a define como uma “progressista genuína defensora da paz”. “Ela pegava em armas apenas porque era um contexto de guerra”, explica.
Há ainda uma série de vídeos onde Thalita aparece com uniforme militar na zona de conflito. A combatente estava na Ucrânia há apenas três semanas, segundo relatos da família.
‘Ela só ligava para avisar que estava bem’
Théo diz ter falado com a irmã pouco antes da viagem para a Ucrânia. “Ela falou que estava indo para a Polônia [na divisa com o território ucraniano] para fazer a função de socorrista, ajudando as pessoas a saírem do país em guerra. Mas logo já foi para a área de conflito”, conta.
Após informar à família que estava na capital Kiev, a região foi alvo de bombardeios. Thalita só voltou a falar com os parentes 48 horas depois dos ataques.
“Quando a gente conversava por telefone, eu queria saber tudo. Mas ela dizia que não podia falar muito, porque as atividades por celular estavam sendo monitoradas por drones russos. Ela ligava só para avisar que estava bem”, explica Théo.
O último contato, lembra ele, ocorreu na tarde de 27 de junho, há uma semana, quando Thalita tinha acabado de se deslocar para a cidade de Kharviv, onde ocorreu o bombardeio que a matou.
Atriz mirim e modelo na juventude.
Natural de Ribeirão Preto (SP), Thalita se mudou com a família desde a infância para a capital paulista, onde morou até se alistar junto às tropas ucranianas.
Em São Paulo, foi protagonista de peças teatrais durante a infância. Aos 18, também passou a trabalhar como modelo fotográfica. Thalita atuava ainda em parceria com ONGs para defender os direitos dos animais —integrava um grupo que luta em defesa dos pitbulls.
“A exposição sensacionalista dissemina medo, desinformação e preconceitos, condenando-os à marginalização e penalizando socialmente bons criadores”, diz um trecho de um comunicado escrito em conjunto pelos membros do movimento.
Thalita participou de resgates de animais no Brasil nos últimos anos. Esteve em uma equipe de socorristas após o rompimento da barragem da Samarco, em Mariana (MG), que matou 19 pessoas em novembro de 2015. Também esteve em ações de buscas na tragédia de Brumadinho (MG), que deixou 270 mortos em janeiro de 2019. As ações de resgate foram registradas em fotos no seu perfil profissional no LinkedIn.
Lá, a estudante de Direito se identificava como integrante da comissão dos Direitos dos Imigrantes e Refugiados da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo). “Ajuda humanitária em áreas de conflito pelo mundo. Atuação em áreas remotas e de escombros”, descreve em seu perfil.
Ataques com morteiros e disparos de drone.
O Itamaraty (Ministério das Relações Exteriores) não se manifestou sobre o relato das mortes de Douglas e Thalita até a publicação desta reportagem —o órgão levou quatro dias para confirmar a morte de André.
Já a família de Douglas disse ter sido procurada pela embaixada brasileira na Ucrânia. A informação foi confirmada ontem pelo tenente Sandro Carvalho da Silva, brasileiro que comanda o pelotão.
Ele disse que estava no local com Douglas, Thalita e outro combatente quando começou uma série de ataques com morteiros e disparos de drone com munição incendiária.
“Em um desses intervalos [dos ataques em série], saímos do bunker e corremos. Mas, por causa do fogo, a Thalita não saiu. O Douglas voltou para ajudar e não conseguiu sair mais”.
Fonte: Uol
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